Trabalho decente é, para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o respeito aos direitos do trabalho e, em especial, os direitos fundamentais, que de acordo com a Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho são: liberdade sindical e reconhecimento do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil e eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação. Além disso, trabalho decente é a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da pretensão social e o fortalecimento do diálogo social.
Cenário brasileiro
Em junho de 2003, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou o Memorando de Entendimento para a Promoção de uma Agenda de Trabalho Decente juntamente com o Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia. Lançada em maio de 2006, a Agenda Nacional do Trabalho Decente definia três prioridades: a criação de mais e melhores empregos com igualdade de oportunidades e tratamento; a erradicação do trabalho escravo e a eliminação do trabalho infantil, em especial em suas piores formas; e o fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social como um instrumento de governabilidade democrática.
A diretora da OIT no Brasil Laís Abramo destaca que existe no Brasil um compromisso muito grande com a promoção do trabalho decente. Segundo ela, a organização apresentou a agenda do trabalho decente em 1999 e o Brasil assumiu o compromisso em 2003 com a previsão da criação de uma agenda nacional. “De lá para cá muitas coisas foram feitas e, cada vez mais, esta ideia da promoção do trabalho decente entendido em suas quatro dimensões – a primeira é a existência de oportunidades de um emprego produtivo e de qualidade para homens e mulheres; a segunda é o respeito aos direitos no trabalho; a terceira é a extensão da proteção social; e quarta, o diálogo social – está mais incorporada pelos atores sociais no Brasil. Estou falando do Governo e não apenas o federal, mas vários governos estaduais e municipais; das organizações sindicais dos trabalhadores; das confederações empresariais e outros atores relevantes no País, como a Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e uma série de organizações da sociedade civil.”
Para Laís Abramo, o compromisso brasileiro se manifesta não só na criação da agenda, mas também no Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente que, segundo ela, concretiza muito mais a agenda. “O Brasil foi pioneiro nesta ideia da construção das agendas subnacionais, que podem ser agendas municipais, estaduais e regionais. A primeira delas foi a do Estado da Bahia, que passou a ser referência internacional. De lá para cá também foram criadas várias outras agendas e a realização da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente. Então tudo isso mostra esse compromisso.” aponta Laís, que lembra que existe outro instrumento importante no Brasil: a agenda de trabalho decente da juventude.
A CUT, como maior central sindical brasileira, segue como referência na luta pela valorização do trabalho e pela igualdade, os pilares do trabalho decente. Segundo a secretária de relações do trabalho da CUT, Maria das Graças Costa, o trabalho decente se somou na luta por bandeiras históricas da Central, como liberdade e autonomia sindical, igualdade de oportunidades, redução da jornada e outras pautas mais amplas como o fim do trabalho escravo e infantil.
Por mais e melhores empregos
A busca por mais e melhores empregos passa não só pela criação de novos postos de trabalho como pela formalização dos trabalhadores/as com a garantia de direitos assim como pela eliminação das desigualdades entre homens e mulheres; brancos e negros. Entre janeiro de 2003 e março de 2014, o Brasil criou mais de 20 milhões de novos postos de trabalho formal. No entanto, dados da OIT indicam que em 2010 o número de trabalhadores/as informais e sem direitos garantidos chegava a 33,2 milhões.
Trabalho produtivo e adequadamente remunerado é outro viés importante para mensurar o trabalho decente. Por isso, vale destacar a política de valorização do salário mínimo que, de 2002 a 2014, propiciou aumento real de 75%. Embora a Política de Valorização do Salário Mínimo esteja prevista para seguir até 2023, a medida poderá ser estendida, revista ou substituída a partir de 2015. Sendo assim, o Congresso Nacional precisa enviar um projeto de lei até dia 31 de dezembro de 2015 estabelecendo a nova forma de cálculo para a valorização dos salários até 2019.
Para Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços da CUT (Contracs/CUT), a criação de mais e melhores empregos é uma bandeira importante a ser defendida e se junta à CUT e aos movimentos sociais a todas as mobilizações que tem este propósito. Por isso, integrou e incentivou que suas entidades de base participassem de todas as Marchas da Classe Trabalhadora. Além disso, a Contracs defende que os trabalhadores/as tenham ganhos reais, igualdades de oportunidades e luta pela ratificação da Convenção 189 da OIT, que trata do Trabalho Decente para as trabalhadoras domésticas.
Igualdade de oportunidades
Entre as diferenças do mercado de trabalho que mais apontam as desigualdades estão o rendimento e a ocupação de homens e mulheres, negros e brancos. Dados do IBGE apontam que, em 2014, o rendimento das mulheres continuava sendo inferior ao dos homens. Comparando a média anual, as mulheres ganhavam em torno de 74% dos rendimentos recebidos pelos homens. Em 2003, as mulheres recebiam cerca de 70% dos rendimentos. ou seja, nota-se uma evolução que, no entanto, ainda não atingiu a igualdade de direitos.
Em relação aos negros e brancos, as diferenças também existem e são ainda maiores. Em 2014, segundo dados do IBGE, os trabalhadores de cor preta ou parda ganhavam 58% do rendimento dos trabalhadores brancos. Mais uma vez nota-se melhora no quadro já que em 2003, os negros recebiam 48% do rendimento dos brancos.
Os dados de desigualdade do mercado de trabalho não se refletem apenas nos rendimentos e atingem ainda a ocupação. Em 2014, dos 22,8 milhões de trabalhadores empregados, 29% era de homens brancos. Os homens negros e as mulheres brancas apresentam o mesmo índice em 2014 do total de ocupados: 25% para cada. Já as mulheres negras sofrem com dupla discriminação – tanto de raça quanto de gênero – e são minoria totalizando apenas 21% do mercado de trabalho, de acordo com dados do IBGE.
A política de valorização do salário mínimo teve impacto direto na redução das desigualdades de raça e gênero afirma Laís Abramo, que defende a necessidade de um trabalho constante de identificação das áreas de discriminação e de combate aos estereótipos para que a promoção do trabalho decente seja possível em relação às questões de raça e gênero. “Tem algumas políticas, como a valorização do salário mínimo, que é muito importante neste período inteiro e teve um efeito importante na redução da desigualdade de rendimento entre mulheres e homens, brancos e negros, por exemplo. E beneficiou relativamente mais as mulheres e os negros e, principalmente, as mulheres negras porque a porcentagem de mulheres negras que ganha um salário mínimo ou em torno de um salário mínimo é maior do que homens brancos, por exemplo. Então, se você eleva a base da pirâmide salarial acaba beneficiando mais quem tem rendimentos menores.”
Para a Contracs, é fundamental incorporar na sua prática cotidiana a defesa da igualdade de oportunidade e, por isso, defende sua aplicação no mercado de trabalho. Além disso, a entidade é a favor da aplicação da Convenção 111 da OIT e da inserção de cláusulas de igualdade nos acordos e convenções coletivas.
Erradicação do trabalho escravo e do trabalho infantil
De acordo com o estudo da OIT Perfil do Trabalho Decente no Brasil: Um Olhar sobre as Unidades da Federação, 41.608 pessoas foram libertadas no Brasil de 1995 a 2011. Em 897 municípios, aponta o estudo, havia políticas ou ações de combate ao trabalho forçado em 2009. Embora destaque com ênfase a criação da Lista Suja do Trabalho Escravo assim como o número de resgates e extensão dos benefícios do Programa Bolsa Família aos trabalhadores resgatados em condição análoga a de escravo, o relatório não aponta dados que demonstrem que a extinção do problema esteja próxima ou que realmente afirmem que o trabalho brasileiro neste sentido apresenta alguma evolução com o passar dos anos.
Neste sentido, vale ainda destacar que a publicação da Lista Suja do Trabalho Escravo, um dos principais instrumentos no combate ao trabalho escravo, está suspensa devido a uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowiski, que acatou o pedido da Associação das Incorporadoras Imobiliárias. A liminar foi concedida um dia antes da atualização semestral feita pelo Ministério do Trabalho e saiu do ar em 31 de dezembro de 2014.
Para a Contracs, a erradicação do trabalho escravo passa necessariamente pelos limites para a propriedade da terra. Neste sentido, a Confederação comemora a aprovação da PEC 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo, mas espera que sua regulamentação não desvirtue o sentido original da proposta, que expropria terras e as destina à reforma agrária onde houver flagrante de trabalho escravo.
Já em relação à prevenção e eliminação do trabalho infantil, o Estudo da OIT aponta que a experiência brasileira é reconhecida internacionalmente. Os resultados, afirma o relatório, são expressivos e se mantém em declínio durante a segunda metade dos anos 2000. Entre 2004 e 2009 mais de um milhão de crianças entre 5 e 17 anos de idade deixaram de trabalhar. Embora haja mais meninos do que meninas trabalhando, o relatório aponta ainda que as meninas encontram-se em uma das piores formas de exploração do trabalho infantil, o doméstico – que está entre as prioridades para erradicação no Brasil e no Mundo, segundo a OIT.
A diretora da OIT no Brasil Laís Abramo lembra que existem várias medidas, em termos de trabalho infantil, que podem ser aprimoradas. “O Brasil tem uma série de políticas públicas que são muito importantes e são consideradas referências na agenda internacional.” reafirma.
A Contracs luta pela erradicação do trabalho infantil, em especial, o trabalho infantil doméstico que é considerado uma de suas piores formas e é encontrado na base de atuação da entidade: o trabalho doméstico. Neste sentido, a Promulgação da Emenda Constitucional 72 traz um enorme ganho ao proibir que meninas e meninos com menos de 18 anos possam exercer a profissão. No entanto, a Contracs sabe da dificuldade da fiscalização e espera que a sociedade conscientize-se e faça sua parte tanto denunciando como deixando de contratar menores para exercer as funções.
Fortalecimento dos atores tripartites e do diálogo social
A Contracs tem como resolução Congressual contribuir para o fortalecimento do diálogo social entre governo, movimento sindical e social. Neste sentido, como entidade defensora dos trabalhadores/as, busca participar ativamente nos conselhos tripartites, ocupando e propondo espaços de debate, reinvindicação e participação popular nas decisões políticas.
Através da construção do diálogo social, a Contracs conquistou espaços de representação importantes na Copa de 2014 e construiu junto ao governo, empresas e demais entidades do movimento sindical o Pacto Nacional do Trabalho Decente na Copa do Mundo de 2014. Além de garantir direito aos trabalhadores/as diretamente impactados pelos grandes eventos, o Pacto permitiu o acompanhamento dos trabalhadores/as diretamente pelas entidades sindicais nos Comitês Locais e construiu políticas e campanhas de combate à exploração sexual infantil e de adolescentes durante o período. Embora não esteja mais em vigor, as entidades sindicais e a Contracs já se articulam para que o diálogo social conquistado seja mantido e haja a renovação do Pacto para as Olimpíadas em 2016.
A diretora da OIT considera o diálogo social uma das formas eficazes para que o movimento sindical atue na busca pelo trabalho decente. Para ela, o movimento sindical deve “participar, como vem fazendo, de forma ativa e produtiva das instâncias de diálogo social em todo o País, no sentido de tentar, contribuir e encontrar soluções para os problemas que persistem.”
Ação sindical como ferramenta para garantir trabalho decente
Maria das Graças Costa, secretária de relações do trabalho da CUT, destaca que os espaços de atuação do movimento sindical são muitos e que, cada um, contém suas especificidades e possibilidades, mas todos com a mesma importância na trajetória por mudanças. “Os avanços em convenções e acordos coletivos são possibilidades para categorias, mas elas não podem estar desatreladas dos esforços por mudanças mais amplas como aquelas baseadas em legislação em debate no Congresso Nacional ou junto ao poder executivo.” Segundo a dirigente, as políticas públicas também devem ser alvo de intervenções e propostas do movimento sindical.
Além de pontuar a ação através do diálogo social, Laís Abramo da OIT incentiva que o movimento sindical continue zelando pelo respeito aos direitos do trabalho. “Deve também prestar cada vez mais atenção a questões que são as questões da desigualdade seja de gênero, raça, jovens e da população de mais idade e das pessoas com deficiência, que é outro tema importante.”
A Contracs entende a importância da atuação efetiva para garantir o trabalho decente, por isso, estende esta bandeira para sua forma de atuação na exigência de direitos como igualdade de oportunidades seja na questão de gênero como na questão racial, para a redução da jornada de trabalho, remuneração igual para trabalho de igual valor, na igualdade de direito entre terceirizados, no combate à exploração sexual infantil e do trabalho escravo e infantil e em outras bandeiras que defende em consonância à CUT.