Nos últimos anos a direção do Sindicato dos Comerciários do Espírito Santo não tem poupado esforços na luta pelo fim do trabalho aos domingos e em defesa da dignidade física, mental, espiritual e emocional do trabalhador, que não pode ser negociada em nome do lucro político. Garantir aos trabalhadores o direito de dedicarem seus domingos à família, aos amigos, à religiosidade, ao lazer, ao descanso é uma conquista que vai além dos limites reivindicatórios, sindicais, trabalhistas ou economicistas. Trata-se, antes disso, de uma questão de cidadania e de direitos humanos.
Passados mais de duas décadas desde que o papa João Paulo II recebeu carta assinada pela direção do Sindicomerciários/ES, deflagrando oficialmente a luta da entidade contra a abertura do comércio aos domingos, a direção do Sindicato dos Comerciários mantém imutável sua luta, sem concessões. Restrita neste primeiro momento aos trabalhadores de supermercados, o retorno do descanso aos domingos, garantido em Convenção Coletiva pelo Sindicomerciários/ES nos últimos seis anos, finalmente resgatou a dignidade perdida por décadas de trabalho sem trégua. Trata-se da primeira conquista desse tipo em todo o país. Uma histórica vitória que vai além dos limites reivindicatórios sindicais e invade o terreno do exercício de cidadania.
Contar essa história de forma prazerosa e sem se prender a amarras cronológicas, didáticas ou acadêmicas foi o grande desafio do sindicomerciários, provar que é possível se insurgir contra os grandes interesses econômicos e políticos em nome dos direitos dos trabalhadores. Temos ainda um razoável caminho pela frente. Resta vencer a resistência de parcela minoritária do empresariado que ainda teima em confundir cidadania com consumismo. Mas, como sempre aprendemos no movimento sindical, a luta continua. E, atualmente, nosso desafio é esse: convencer os que se opõem ao fim do trabalho aos domingos e convertê-los à causa.
A interrupção do trabalho aos domingos é uma prática histórica e um traço de identidade da própria civilização. O direito ao descanso nesses dias é um reflexo dessa cultura nas relações trabalhistas. O domingo é uma celebração de natureza religiosa, social e cívica, que possibilita ao trabalhador atender a necessidade sociocultural importantes para sua plena realização humana. Enxergando o homem e mulher como um ser integral, o descanso se torna um valor autônomo, tão importante quanto à educação e o próprio trabalho. Um verdadeiro direito oriundo do costume, onde trabalho e lazer são, de forma autônoma e contemporânea, direito e dever de todo cidadão.
Proibido desde 1949, a abertura do comércio aos domingos era uma distante realidade até décadas atrás, quando as ruas ficavam desertas e os comerciários aproveitavam para usufruir o descanso, o lazer, a vida em família e a prática religiosa junto com seus familiares e amigos. Em 1997 tudo muda com a Medida Provisória do então presidente Fernando Henrique Cardoso que incorpora, meio de contrabando, a liberação do horário do comércio aos domingos escondida em uma Medida Provisória que trata de Participação nos Lucros.
Antigamente, o discurso de que o trabalho aos domingos elevaria as vendas e geraria emprego e renda revelou-se uma farsa montada por empresários do setor de shopping centers e das grandes redes de varejo multinacionais. Ao invés de novos empregos, o trabalho aos domingos ampliou de forma desumana a jornada dos comerciários, justamente para não contratar mais, além de institucionalizar a hora-extra sem remuneração.
Mais que isso, o trabalho aos domingos retirou dos trabalhadores um direito fundamental, o direito ao tempo! A falta do tempo para o descanso físico, para a prática religiosa e devocional, para a educação dos filhos, para o exercício da política e da cidadania e para todas as formas de convivência foi imposta por lei pelo governo FHC aos trabalhadores comerciários para atender as imposições de ajustes da economia brasileira e da reestruturação do processo produtivo no comércio, a cabo do capital multinacional do varejo.
O lucro farto traduziu-se em prejuízo certo por uma questão de hábito: o consumidor capixaba prefere comprar em outros dias da semana ao invés dos domingos. E mais, o que eleva a capacidade de consumo é dinheiro no bolso do consumidor e não mais dias para consumir. A opção do domingo representou para o comércio não uma fonte adicional de lucro, mas transferência de vendas e gastos adicionais para se manter a loja em funcionamento sem a contrapartida do aumento da receita. Resultado: negócios quebraram. Outros tantos foram comprados. Os que resistiram, mantiveram-se abertos por honra da firma.
O prometido emprego nunca veio - o domingo não aumentou o número de postos de trabalho e sim a jornada e o volume de horas extras realizadas. Contabilizando prejuízos, e doenças ocasionadas pela extensa jornada de trabalho, ao invés de contratar novos comerciários, o comércio local optou que seus empregados trabalhassem por dois.
O trabalho aos domingos é um mito que não se sustenta com a realidade do comércio. O desafio do Sindicomerciários/ES ao longo desses anos tem sido esse: derrubar esse mito através do convencimento da sociedade, consumidores e empresários. Muitos já tomaram consciência do trabalho desempenhado pelo sindicato, outros ainda resistem. Nossa missão é seguir quebrando resistências, e o faremos. Mesmo que esse trabalho de formiguinha nos tome a totalidade dos próximos anos.
Trabalho aos domingos não, meu domingo é em família!