“Quem já sofreu violência dentro da universidade?” A pergunta diante de uma das mesas mais concorridas do segundo dia (26) do 7º Encontro de Mulheres Estudantes (EME), da União Nacional dos Estudantes (UNE), constatou a realidade de quase 70% das estudantes brasileiras de acordo com recente pesquisa do Instituto Data Popular e Instituto Avon. Um plenário cheio de mãos erguidas mostrou a que estão expostas as estudantes em um cotidiano que deveria ser de estudos e crescimento intelectual: a violência.
A presidenta da UNE, Carina Vitral, apresentou os números alarmantes da pesquisa que tipificam uma série de casos de violência: 56% das estudantes já sofreram algum tipo de assédio, 12% algum tipo de coerção como ingerir bebida alcoólica sem consentimento, 28% violência sexual, 52% agressão moral ou psicológica, 49% desqualificação intelectual, entre outras.
Para Carina é urgente pensar uma campanha de enfrentamento de violência contra a mulher nas universidades. “A responsabilidade da UNE quanto a isso é a conscientização. Porque falar sobre isso é deixar de sentir medo. 63% das mulheres que sofreram violência não reagiram ou denunciaram. Muito porque não existe espaço de denúncia dentro da universidade. Precisamos de um código de conduta para punir agressores e assediadores, ter uma ouvidoria que faça um acompanhamento as vítimas também”.
E continuou: “Precisamos convencer as universidades que elas precisam ter responsabilidade sobre vida das mulheres. 42% das mulheres têm medo de estar na universidade, isso significa que toda essa luta para estarmos na universidade nos últimos anos vai por água abaixo. Isso é desempoderamento, isso é retrocesso”, afirmou.
A diretora de Mulheres do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sindusp), Samia Bonfim, também reafirmou sobre o ponto. “Precisamos exigir das reitorias, não podemos permitir que estupradores, assediadores continuem estudando nas escolas, por que isso é um desrespeito”. Números do medo
A representante do Coletivo Olga Benário e da Marcha Mundial das Mulheres Claudiane Rodrigues falou do avanço da Lei Maria da Penha, que faz dez anos, fruto da luta das mulheres.
“A cada dia são 179 relatos de agressões, em dez anos de Maria da Penha foram 43 mil mulheres assassinadas por serem mulheres. Precisamos transformar toda essa dor, essa violência, em luta”, ressaltou.
Para Claudiane, a sociedade educa os homens para eles acharem que as mulheres são sua propriedade, por isso, uma das saídas seriam aulas de gênero nas escolas e nas universidades. “A gente tem de ter como mudar aquele menino para respeitar as mulheres. As pessoas podem ser modificadas, os homens podem perceber que as mulheres não são suas posses”, afirmou.
A violência não é o mundo que a gente quer
Para Annyeli Nascimento, secretária de Cultura da CUT, o que une as mulheres é a liberdade. “Querer andar sozinha, ou acompanhada, com a roupa que queremos, com a companhia que queremos.” “Todas nós somos filhas da classe trabalhadora, por isso é fundamental essa consciência, a solidariedade das estudantes com essa classe. As opressões que a mulher trabalhadora sofre é também a que a estudante sofre”, destacou.
Já Nadine, da UNE, afirmou a necessidade de pensar qual é o feminismo que queremos construir. De acordo com ela, o feminismo deve servir para libertar as nossas mulheres e emancipar a sociedade como um todo.
“Temos de pensar uma transformação no âmbito da cultura, da política e da economia. Queremos acabar com a injustiça nesses campos, na cultura com o nosso reconhecimento, na política com a nossa representação, inclusive na educação. O que vemos é um grande corte de verbas, inclui as universidades, e nós somos as principais atingidas. Na economia, na redistribuição”. Samira Soares, da Marcha das Mulheres Crespa, falou da diversidade de mulheres no evento e da necessidade de sonoridade. “Nós mulheres precisamos olhar para cada companheira como irmã, este não é uma espaço de disputa, nos olhar de igual pra igual, discutir, construir políticas contra violência e crescer”.
Maria Joana, diretora de mulheres do DCE da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ressaltou que a universidade é estruturada para não receber as mulheres, sobretudo as mulheres negras, e para reproduzir um conhecimento que nos subjuguem e nos assassinem.
“Nós auto-organizadas e reunidas fazemos um estrago nessa estrutura patriarcal. Quando entramos na universidade nossa responsabilidade não é reproduzir o patriarcado e o racismo. Enquanto falamos que o aborto é uma questão de saúde pública os hospitais universitários continuam fazendo as mulheres sangrarem em seus corredores”, afirmou.
Para Maria Joana as mulheres devem sair das universidades e fazer a discussão nos bairros e favelas, das mães pretas que têm seus filhos assassinados por essa estrutura patriarcal.