As mulheres estão adiando a maternidade e o casamento, e são referência em 20% dos lares. Mas continuam ganhando menos que os homens e acumulam muito mais afazeres domésticos do que eles.
Das transformações sociais que ocorreram no Brasil desde o ano 2000, a mudança no perfil feminino é o que mais chama a atenção. A pesquisa Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada na semana passada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou um novo retrato da mulher brasileira: 38,4% da população feminina entre 15 e 49 anos não têm filhos e a maternidade vem sendo adiada, especialmente entre as de maior escolaridade – se é que serão mães.
Os dados mostram que uma em cada cinco famílias brasileiras é formada por casais sem herdeiros e o número de casais com filhos caiu 13,7% na última década. Nesse período, a mulher também ganhou destaque em casa. Em 2013, elas eram “referência familiar” em cerca de 20% dos lares, enquanto em 2004 o percentual variava entre 6,6% (casais sem filhos) e 5,1% (casais com filhos).
Esses dados estão conectados com outros divulgados no início do mês na pesquisa Estatísticas do Registro Civil, também do IBGE. No estudo, foi constatado que as pessoas, de ambos os sexos, estão casando dois anos mais tarde, em comparação com dez anos atrás. O motivo é o mesmo para o adiamento dos filhos, um maior investimento em estudos e carreira, deixando os relacionamentos amorosos em segundo plano.
A carioca Suyan Cavalcante, de 36 anos, é um exemplo dessa nova mentalidade. Ela não pensa em se tornar mãe pelo menos até os 40 anos, mas admite que não foi sempre assim. “Quando era jovem, achava imprescindível engravidar cedo, hoje penso que, se não tiver condição de criar meus filhos com conforto, talvez abra mão”, diz. Formada em direito e com pós-graduação na área, largou tudo para abrir uma empresa de eventos.
As mudanças estão em curso, mas alguns hábitos permanecem inalterados. As mulheres continuam trabalhando em regime de jornada dupla (em casa e no escritório) cinco horas semanais a mais do que os homens – isso quando eles ajudam nas tarefas do lar, coisa que apenas metade deles faz (leia quadro). A diferença da carga horária final revela um fato conhecido, mas alarmante: a desigualdade de gêneros já começa dentro de casa. É no mercado de trabalho, porém, que a falta de equilíbrio fica mais evidente.
A diferença salarial é maior em empregos informais, nos quais uma mulher ganha 65% do recebido por um homem, apesar de exercer a mesma função. Entre os formais a discrepância aumenta de acordo com a escolaridade. Com até quatro anos de estudo, o rendimento feminino corresponde a 81% do masculino; mas com 12 anos ou mais a proporção é de absurdos 66%.
O sociólogo Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie, explica que o atraso no início da gestação é também uma técnica feminina para compensação da diferença salarial. “Vivemos quase 400 anos sob uma estrutura patriarcal, é óbvio que em 100 anos você não apaga esse passado machista”, diz ele.
Segundo a pesquisa do IBGE, as mulheres têm investido em estudos e carreira e deixado os relacionamentos amorosos em segundo plano
O brasileiro não está atrasando decisões importantes apenas no que se refere a casamento e prole, mas também para sair de casa. A “geração canguru”, grupo formado por adultos de 25 a 37 anos que ainda vivem com os pais, já representa quase um quarto dessa faixa etária. “Supomos que a decisão de ficar mais tempo na casa da família tem a ver com a necessidade de economizar para estudar mais, porque a média de escolaridade desses indivíduos é maior”, explica André Simões, pesquisador do IBGE.
Outro grupo de jovens, este mais preocupante, é intitulado “Nem Nem”, aquele que “nem estuda nem trabalha” — eles somam, hoje, 9,9 milhões de pessoas. Desses, apenas 26% tentaram entrar no mercado de trabalho no último ano, sem sucesso. O restante nem sequer tentou. As mulheres são a imensa maioria, perfazem 98,8% do grupo.