Como grande excedente da força de trabalho, são obrigados a encarar qualquer tipo de ocupação para sobreviver. O Brasil vê o futuro repetir o passado, perdendo na formação da juventude.
“A juventude é uma categoria que muda ao longo da história, é fruto de um processo histórico. Mais que a fase entre a infância e a vida adulta, é um fenômeno que surgiu na sociedade urbana industrial.”
Ou seja, a juventude, mais que uma faixa etária – que no Brasil soma 50 milhões entre os 15 anos e os 29 anos –, é fruto de como a sociedade se relaciona com questões como educação e mundo do trabalho.
“Ela se diferencia pelo processo de construção da autonomia e transição para a vida adulta. Mas existe uma classe que tem de construir autonomia antes da outra”, afirma.
Assim, os jovens cujos pais têm mais escolaridade e nível salarial mais alto, terão mais tempo de estudo e oportunidades no mercado de trabalho. “Os países com menor taxa de participação de jovens no mercado de trabalho são aqueles nos quais esses mesmos jovens têm mais escolarização”, explica Euzébio.
Para o professor, o Brasil guarda relação profunda do mercado de trabalho com o período escravista. “A heterogeneidade étnica não existe nas universidades brasileiras. A abolição não levou à contratação de negros. Importou trabalhadores brancos que ascenderam socialmente. Basta ver que as periferias são eminentemente negras, mas a Mooca (bairro paulistano formado pela imigração italiana) é branca.”
Jovens em perigo, não perigosos
Numa caminhada de dois quarteirões próximos à Escola Dieese, no centro de São Paulo – onde se deu a palestra do professor Euzébio –, a reportagem viu duas “duras” batidas policiais. Ambas tinham como alvo negros e negras jovens.
“Por que o jovem é considerado um sujeito social tão perigoso, exposto a uma política de perseguição e massacre nas periferias?”, questiona o presidente do CEMJ, para responder: “Isso tem a ver com o trabalho, com a não assimilação do jovem negro. A sociedade continuou com esse arranjo para manter o excedente da força de trabalho disposto a aceitar qualquer coisa. O trabalho barato torna a situação da classe média muito mais confortável financeiramente. Basta lembrar o alvoroço causado pela lei das domésticas.”
A situação, para ele, deve se agravar com as recentes mudanças nas leis que regem o mercado de trabalho, com uma reforma que rebaixou direitos e ampliou as possibilidades de trabalho precário, como o temporário e o intermitente. “Vão colocar os jovens numa condição pior do que vivia a geração anterior”, avalia, utilizando como parâmetro a taxa de subutilização da força de trabalho.
“Isso leva em conta quem trabalha só algumas horas, o que não consegue buscar emprego e isso cresce entre os jovens. Enquanto o Brasil crescia essa taxa era menor. Mas voltou a subir em 2015. Dois em cada três jovens estavam procurando emprego em 2017. Com o passar dos anos jovens foram entrando mais tarde no mercado de trabalho e isso está retrocedendo e afetando a escolarização.”
Jane Rosa da Silva, 24 anos, é um retrato do receio diante dessa precarização. Formada em Geografia pela Unesp, tinha como perspectiva fazer um concurso e trabalhar numa instituição pública. “Tenho visto isso se reduzir cada vez mais, principalmente depois de 2016, com o golpe, com Michel Temer. E agora, no ano que vem, não tenho perspectiva de que isso vai melhorar, até porque a lógica de Bolsonaro (presidente eleito) é privatizar tudo”, afirma.
“Não vão abrir concursos e vou ser contratada por empresa terceirizada e terceirização significa precarização do trabalho. Daí fico pensando: pra mim, profissionalmente, quais serão as condições de trabalho. Acredito que será precarizado, muito diferente do que eu imaginava quando entrei na faculdade em 2013. Ou então o desemprego.” Como jovem e mulher, Jane se preocupa: como sobreviver a esse mundo? “A gente vê a composição do governo Bolsonaro, majoritariamente de homens. A gente vinha num movimento oposto, com mulheres ocupando cargos de poder. Não existe representatividade pra mim, no governo dele.”
Esse otimismo que moveu Jane em seus anos de estudo tinha base no mundo real. Um período de crescimento vivido pelo Brasil entre os anos de 2003 e 2014, que chegou a se aproximar do pleno emprego, de carteira assinada, a ampliação do acesso às universidades, mas que, na avaliação de Euzébio, não foi suficiente para romper com as deficiências do mercado de trabalho brasileiro. “Ele está estruturado de forma a manter a atual estrutura social e, para isso, é indispensável que os jovens ofertem sua força de trabalho o mais cedo possível”, critica.
E agora, com a degradação das relações de trabalho e a perspectiva de sucateamento do ensino e da pesquisa, além do retrocesso nas políticas de acesso ao ensino, como será a vida dessa moçada?
“A juventude será impactada de forma não homogênea pela crise, mas todos os jovens do país serão afetados”, lamenta Euzébio. “A reforma trabalhista provocará a elevação da informalidade, redução dos salários e elevação da subutilização da força de trabalho.”
O professor acredita que a queda da renda das famílias obrigará uma grande massa de jovens a ingressar mais cedo no mercado de trabalho, o que elevará o desemprego e reduzirá o nível de escolarização dos jovens. Isso, acompanhado pela reforma do ensino médio e a destruição das universidades públicas, para ele, garantirá a consolidação de nossa histórica desigualdade.
“Enquanto as famílias mais abastadas terão recursos para manter seus filhos estudando, as famílias pobres verão seus filhos, jovens ou crianças, buscando alguma ocupação precária, na maioria das vezes em ocupações informais e inseguras. As consequências para políticas tão excludentes será a explosão da violência urbana que tende a ser combatida pelo novo presidente Bolsonaro com toda a violência possível. A juventude volta a ser vista como questão de polícia e não de política.”
A esperança, mais uma vez, reside na capacidade da juventude de resistir. “Esperamos que façam o que sempre fizeram no Brasil, lutem para continuar existindo e ajudem a transformar o país.”
Fonte: Rede Brasil Atual