Frente à ruptura institucional representada pelo processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, considerado ilegítimo por amplos setores e organizações sociais, Moara Correa, que assume temporariamente a presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), define o seu mandato como sendo um período de resistência aos retrocessos anunciados na educação pelo governo Temer.
"A nossa pauta agora é o 'Fora, Temer' e 'Diretas Já'", afirma Moara à RBA. "A questão é que este governo – que coloca (como ministro da Educação) Mendonça Filho, que é do DEM, partido que entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra as cotas, que foi publicamente contra todos os avanços que popularizaram o ensino superior – é um governo que não quer negociar com a nova juventude que hoje se encontra na universidade brasileira; a juventude pobre, da classe trabalhadora, do campo, que necessita de políticas específicas de permanência."
Estudante de Engenharia Civil na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Moara é a primeira mulher negra a ocupar a presidência da UNE, enquanto Carina Vitral, a titular, disputa a prefeitura de Santos, no litoral paulista. Antes dela, Helenira Rezende foi a única mulher negra a ocupar a vice-presidência, em 1968. Quatro anos depois, foi morta pela ditadura civil-militar.
"Hoje estou na presidência da UNE por quê? Porque a UNE é mais popular. E a UNE se popularizou porque a universidade se popularizou nos últimos anos. Temos mais negros, mais mulheres e mais LGBTs participando nas universidades. Sou fruto disso."
Sobre as ameaças representadas pelo governo Temer, a nova presidenta aponta os cortes de até 45% no orçamento das universidades federais para o próximo ano, além de restrições no acesso por meio do Fies, e ainda a ameaça a programas como o Ciência sem Fronteiras. "O Ciência sem Fronteiras é um programa que investe em tecnologia. Investir em tecnologia é investir na educação, mas é também investir na soberania e no progresso do país."
Sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que busca impor o congelamento do orçamento da União por 20 anos, Moara diz que, na prática, a medida representa cortes, porque não só a população tende a crescer como também a demandar mais educação.
Segundo ela, o novo perfil do estudante que passou a ingressar no ensino superior exige que as universidades públicas tenham mais do que prédios e professores. Defende políticas de permanência nas instituições, como restaurantes universitários e moradia estudantil, que passam a não mais caber em um orçamento congelado.
"Além disso, a gente acredita no tripé ensino-pesquisa-extensão. Uma universidade que mal tem dinheiro para pagar as suas contas não vai investir em pesquisa e extensão."
Moara reafirma ainda a necessidade do retorno da normalidade democrática, com a realização de eleições diretas, para que a população volte a participar das decisões. "Sem a restituição do processo democrático no país, é impossível e inviável a construção de qualquer política pública de avanços para a juventude. Fora do regime democrático, a juventude só vai ter derrotas. A democracia é muito cara para a UNE. A história da UNE se confunde com a história da construção da democracia no país."
Ela lembra que os principais avanços conquistados na educação nos últimos anos se deveram à participação popular, como a construção do Plano Nacional de Educação (2014-2024), realizado a partir de conferências, das quais participavam governo, trabalhadores da educação do setor público e privado e dos estudantes.
"Nos últimos 13 anos, a gente foi incluído nesses espaços e, agora estamos na direção da UNE e de outras entidades justamente para lutar para que nenhum retrocesso seja imposto, para que a juventude negra, a juventude trabalhadora, não seja expulsa das universidades, que as mulheres consigam permanecer."