A maioria (78%) das jovens brasileiras entre 16 e 24 anos já sofreram algum tipo de assédio em espaços públicos, sejam cantadas ofensivas (68%), toques indesejados em baladas e festas (44%) ou assédios no transporte público (31%). Os dados são da pesquisa “Violência contra a mulher: o jovem está ligado?”, realizada pelos institutos Data Popular e Avon, lançada hoje (3), em São Paulo. Foram ouvidos 2.046 jovens de todas as regiões do país – sendo 1.029 mulheres e 1.017 homens.
Entre os rapazes entrevistados, 30% dizem que a mulher que usa decote e saia curta está se oferecendo. Entre as mulheres, 20% concordam com a afirmação. A maioria dos jovens ouvidos (76%) acha errado uma mulher ter vários “ficantes” e ir para a cama no primeiro encontro (68%).
“É a realidade de uma sociedade ainda muito machista que, apesar de ter mulheres trabalhando e estudando, ainda as vê como seres do lar. São ideias muito patriarcais, que responsabiliza a mulher pelo assédio que ela sofre na rua, pela forma como ela se veste ou pelo fato de estar sozinha”, analisa a coordenadora do grupo feminista Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib. “Achar que existe uma forma correta de se vestir é um conceito extremamente patriarcal.”
Mais mulheres (42%) do que homens (41%) concordam que uma garota deve se relacionar com poucos rapazes e 38% ainda acreditam que a mulher que opta por ter vários parceiros é “para ficar” e não “para namorar”. A maioria (96%) dos ouvidos pela pesquisa reconheceu que vive em uma sociedade machista.
Ao todo, 48% dos rapazes dizem achar errado a mulher sair sozinha com os amigos, sem a companhia do marido, namorado ou "ficante". A maioria dos entrevistados (80%) afirmou que a mulher não deve ficar bêbada em festas ou baladas.
“Ainda impera a ideia que a mulher tem que ter um homem a atendendo ou a protegendo. Ela precisa de uma figura masculina para ser respeitada”, avalia Rosângela. “A mulher deve ser recatada. Mesmo que ela tenha vida pública deve ser com bastante recato: ela pode ir para a rua à noite, mas desde que esteja acompanhada, e por um homem. Temos um longo caminho ainda para percorrer.”
Aprende-se em casa
Sobre a família, 43% dos jovens entrevistados disseram já ter visto a mãe ser agredida pelo parceiro e 47% deles interferiram em defesa da mãe. Entre os homens que vivenciaram a violência doméstica, 64% admitiram ter praticado algum tipo de agressão contra alguma companheira. Entre aqueles que não têm o histórico na família, 47% já agrediram a parceira.
Entre as mulheres, 9% admitiram já ter sido obrigadas a fazer sexo quando não estavam com vontade, e 37% já tiveram relação sexual sem camisinha por insistência do parceiro.
Ao todo, 75% delas já sofreram violência em relacionamentos. A maioria delas (66%) já admitiu ter recebido xingamentos, empurrões, ameaças, tapas, ameaças com armas ou já ter sido proibida de sair de casa, sair à noite, usar determinada roupa ou ter sido obrigada a fazer sexo sem vontade. Mais da metade dos homens (55%) afirmaram já ter praticado alguns desses atos.
Apesar disso, apenas 35% dos entrevistados consideram que impedir um parceiro de sair à noite seja uma forma de violência e só 34% acham que controlar o companheiro por telefone ou impedir de usar determinada roupa também sejam tipos de agressões.
“Existe um interdito sobre a mulher e sobre a sexualidade feminina. A sociedade tem uma visão muito conservadora do exercício da sexualidade da mulher e da autonomia delas sobre o próprio corpo”, critica Rosângela. “Chama a atenção o fato que a pesquisa ouve jovens que reproduzem valores muito sedimentados na sociedade, o de que existem dois tipos de mulheres: as promíscuas e as recatadas.
Elas podem ora ser assediadas na rua ora ser vistas como ‘de boa família’. É uma intervenção social muito grande na sexualidade da mulher.”
Só em 2013, foram registradas 5.664 mortes violentas de mulheres, o equivalente a um óbito a cada uma hora e meia, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. No primeiro semestre deste ano, o canal de atendimento à mulher Ligue 180 recebeu 30.625 denúncias de violência. Ao todo 82,82% das vítimas tinham relação familiar com o agressor e 11,2%, relação afetiva, segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres, do governo federal.