Na Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que começa hoje (27), dois fatos se destacam: os dez anos da chacina de Unaí (MG) e a prolongada tramitação, no Congresso, da chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) do Trabalho Escravo. O texto está há 19 anos no Parlamento, com cerrada resistência da bancada ruralista. Segundo o coordenador geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae, órgão vinculado à Secretaria de Direitos Humanos), José Guerra, o governo aceita discutir a regulamentação, mas não admite mexer no conceito.
"Há uma falsa discussão sobre uma falsa fragilidade do conceito de trabalho escravo", afirma Guerra. "Isso (alterar o conceito) seria um recuo tremendo. É um conceito que demorou anos para ser constituído, que levou anos de política pública. São entendimentos bem pacificados. Não somos nós que dizemos, os tribunais dizem que é um conceito muito sólido, que traz segurança jurídica."
Aprovada na Câmara em maio do ano passado, a PEC retornou em dezembro do plenário para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, por causa da apresentação de uma emenda. Depois da CCJ, voltará ao plenário para votação em primeiro turno. A etapa seguinte prevê três sessões de debate para que o texto possa ser votado em segundo turno.
Simultaneamente, discute-se a regulamentação, o que resulta em outra área de atritos. Em outubro, a Comissão Mista de Consolidação de Leis e Regulamentação de Dispositivos Constitucionais aprovou projeto (PLS 432, de 2013) de regulamentação da PEC do Trabalho Escravo. O relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR), elaborou um novo conceito para o tema, argumentando que não se pode confundir desobediência à lei trabalhista com escravidão. Para ele, existe o risco de se generalizar ou deixar “ao bel-prazer” de um fiscal o enquadramento da infração como trabalho escravo.
Para observadores, a definição proposta por Jucá é mais restrita. O jornalista Leonardo Sakamoto, coordenador da Repórter Brasil e representante da ONG na Conatrae, por exemplo, afirmou em artigo que o senador "atendeu ao pedido da bancada ruralista" ao usar um conceito diferente do previsto no artigo 149 do Código Penal, que fala em condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado, ameaças e servidão por dívida.
No final do ano passado, o escritório brasileiro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou nota em defesa da PEC e lembrou que a entidade tem apoiado a política brasileira no combate à prática. Para a Comissão de Peritos na Aplicação de Convenções e Recomendações (Ceacr) da OIT, o artigo 149 é "consistente" com a Convenção 29 da organização. "O Brasil é um exemplo, para a comunidade internacional, de um país fortemente comprometido com o enfrentamento da escravidão contemporânea", afirma a OIT, lembrando que de 1995 (quando se iniciaram as ações sistemáticas de fiscalização) até outubro do ano passado mais de 46 mil pessoas foram libertadas de situações de trabalho forçado.