A Avenida Paulista recebeu nessa quinta-feira (13) a maior manifestação desde os atos de junho de 2013. E, como naquela ocasião, mais de 20 mil pessoas ocuparam o principal centro financeiro do Brasil para cobrar mudanças na política.
Da mesma forma que no ato do último dia 4, os movimentos deixaram claro que não aceitarão qualquer reforma sem a participação popular.
Para a Central e os demais movimentos que organizaram a marcha, as mudanças nas regras do jogo devem começar com a convocação pelo Congresso de um plebiscito para decidir sobre a formação de uma Constituinte exclusivamente voltada a discutir o sistema político.
Segundo o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, a manifestação apontou que a presidenta Dilma Rousseff terá apoio e contará com pressão das ruas para fazer as reformas pelas quais foi eleita.
“Esse ato é para dizer que acabou a eleição e o Brasil precisa de uma grande governança que dê condições para a presidenta colocar em seu programa de governo aquilo que o povo escolheu. E o povo votou para fazer uma reforma política convocada por um plebiscito por meio de uma Constituinte Exclusiva, como a Dilma propôs fazer. O povo votou pela agenda progressista e derrotou, pela quarta vez, a agenda retrógrada. Não vamos distorcer qual foi o resultado das urnas”, lembrou.
Vagner destacou também que a Central cobrará ser ouvida sobre as políticas que o governo deseja adotar e apontou que o segundo mandato de Dilma será progressista se os movimentos sociais pressionarem para isso. “Esse é um governo em disputa. A presidenta é progressista por essência, mas sofrerá fortes pressões de um Congresso Nacional bastante conservador, inclusive, na base aliada, do Mercado e de parcela da mídia que é panfleto político. O que estamos fazendo aqui é mostrar a ela que tem apoio dos movimentos sociais e das ruas para fazer um governo para o povo e para os trabalhadores”.
Um dos pontos principais que os movimentos querem discutir na Constituinte é o fim do financiamento empresarial das campanhas políticas, que elegem majoritariamente os candidatos escolhidos para representar seus interesses no Congresso.
Conforme destaca o secretário de Políticas Sociais da CUT-SP, João Batista Gomes, esse modelo faz com que os trabalhadores estejam em menor número no parlamento e sofram ataques constantes aos direitos.
“O resultado desse parlamento distorcido é a redução da bancada dos trabalhadores, como é o caso da jornada de 40 horas e do Projeto de Lei 4330, de 2014, que libera as terceirizações e retira direitos. Nós conseguimos segurar o PL até aqui, mas com uma bancada reduzida de sindicalistas e ampliada de empresários e ruralistas, aumentam as chances de aprovação. Há parlamentares querendo fazer a reforma política a partir de projetos que estão há duas décadas na Casa e não vêm ao encontro do que o povo quer, que é ter voz e vez na política.”
Atacar o retrocesso
A militante Paola Estrada, da Secretaria Operativa Nacional do Plebiscito Popular da Constituinte, ressaltou que não apenas a marcha cresceu como também o número de movimentos participantes, que chegaram a 500 organizações.
“Há 30 anos não vemos uma campanha tão ampla. Mas temos que ficar atentos porque a grande imprensa tenta dissimular até mesmo a fala da presidenta Dilma quando cria a falsa polêmica entre plebiscito e referendo”.
Para o membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos, o ato teve o objetivo de fazer o enfrentamento a uma direita atrasada que tem ido às ruas defender posições inaceitáveis para a maioria do povo brasileiro como intervenção militar, impeachment e apoiar a xenofobia e cobrar que o governo avance nas reformas.
“Ou o governo cederá à pressão da direita, do mercado financeiro, de todos os setores conservadores e adotará uma política neoliberal, que significa arrocho, desemprego e cortes de investimentos sociais, ou enfrenta desafios de reformas populares. É um absurdo que, depois de junho de 2013, a reforma política ainda não seja um tema que tenha maioria nos poderes políticos do país. E que não pautemos a democratização da comunicação depois daquilo que a revista Veja fez nas últimas eleições. Ou o governo faz o programa de quem perdeu, ou faz as reformas estruturais”, apontou.
Reforma com forró
A marcha de três horas que saiu por volta das 19h do vão livre do Masp, passou por ruas paralelas à Paulista, muitas vezes aplaudida por trabalhadores e moradores.
Na Alameda Jaú, em um dos bairros mais nobres da capital paulista, homens e mulheres, algumas com crianças no colo, enfrentavam a chuva ao som do forró de Luiz Gonzaga para valorizar a cultura nordestina e exorcizar qualquer forma de preconceito.
“A juventude tem outro método para tomar as ruas, com alegria e a luta do povo”, falou a representante do Levante Popular da Juventude, Beatriz Lourenço, em repúdio a grupos de direita que estiveram no mesmo espaço recentemente para cobrar a volta da ditadura militar.
Durante o trajeto, as lideranças dos movimentos sindical e social reforçaram a ideia de que qualquer avanço no país passa pela mudança no sistema político, inclusive, as reformas estruturais citadas por Boulos como a agrária, tributária, urbana e de democratização da comunicação.
“Salário não é renda e quem paga imposto é assalariado porque o patrão escapa da cobrança, seja pela capacidade de fugir do fisco ou pela política do governo federal com a desoneração nas indústrias”, afirmou o diretor Executivo da CUT Nacional, Júlio Turra, ao defender a reforma tributária.
Segundo o ativista da Mídia Ninja, Rafael Vilela a regulação da mídia é uma das reformas que devem ser englobadas pela Constituinte da reforma política e sem a qual não avançaremos na construção de uma democracia participativa.
Para ele, os grandes jornais e canais de televisão não tratam de questões, como a crise da falta de água em São Paulo, de forma plural. “Essa escassez está ligada a falta de outras políticas públicas e os territórios afetados são sempre os mesmos: as periferias. A responsabilidade por esta crise é do governo de São Paulo, por falta de planejamento porque esta seca já estava prevista".
Contra o ódio
Para o jornalista e doutor em Ciência Política, Leonardo Sakamoto, a reforma política com participação popular é o melhor caminho para dialogar com aqueles que se desinteressaram pela política e foram atingidos pelo processo de despolitização que os setores conservadores buscam fazer.
Segundo ele, o legado de junho de 2013 foi levar o debate público às ruas. “Os jovens demonstraram insatisfação e querem participar. Cabe ao governo garantir as reformas necessárias para que a participação deles se concretize.”
De acordo com Sakamoto, o melhor enfrentamento à truculência é atrair as pessoas ao debate para mostrar o equívoco do discurso do ódio.
"Desde a redemocratização, a esquerda esteve fora do armário. Agora, dos últimos anos para cá, até por reação a governos progressistas, a direita também saiu. Por isso, além da gente ter que melhorar o caldo da cultura política e a percepção de tolerância à diferença, temos que garantir que essas pessoas que estão com ódio, sejam trazidas para dentro do debate e respeitadas. Vai depender das ruas demonstrarem que não é dessa forma e por meio da divisão da sociedade que avançaremos.”
Entenda o plebiscito
Entre os dias 1º e 7 de setembro, a CUT e outras 400 organizações sociais promoveram um plebiscito popular que resultou em mais de 7,7 milhões de votos a favor de uma constituinte exclusiva para reformar o sistema político e pressionar o Congresso a convocar a consulta oficial.
Para isso, no dia 30 de outubro, foi protocolado na Câmara o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 1508/2014, de autoria dos deputados Renato Simões (PT-SP) e Luiza Erundina (PSB-SP), para convocar o plebiscito.
Caso o projeto seja aprovado, os eleitores irão às urnas para dizer sim ou não à mesma pergunta realizada no plebiscito popular: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político?”.