Em uma pesquisa que avalia a relação entre a idade laboral (início da vida profissional) e educação, o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) aponta que quanto melhor a renda, mais tempo o jovem brasileiro retarda a entrada no mercado de trabalho e investe no estudo.
Segundo o estudo coordenado pelo instituto, em 1998, o índice de jovens entre 15 e 17 anos que já trabalhavam era de 45%, e em 2008, caiu para 37%. De acordo com o levantamento, a elevação da renda da família permite que os filhos busquem qualificação e, consequentemente, melhores salários e condições de trabalho.
A tendência, portanto, de qualquer país civilizado seria ampliar e não diminuir o tempo até o ingresso no mercado de trabalho. Porém, duas PECs (Proposta de Emenda à Constituição), a 18/2011, do deputado Dilceu Sperafico (PP-PR), e a 35/2011, de Onofre Agostini (DEM-SC), alteram o artigo 7º da Constituição para reduzir de 16 para 14 anos a idade a partir da qual o trabalho é permitido.
As propostas vão contra o princípio de proteção integral à criança e ao jovem, explicitados na Constituição, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no Estatuto da Juventude. De acordo com a Carta Magna, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre é proibido para menor de 16 anos. O trabalho só é permito de 14 a 15 anos na condição de aprendiz, mas, ainda assim, fora dessas condições.
Em 2014, o Brasil atingiu a menor taxa da história em trabalho infantil, mas são mais de três milhões de crianças e adolescentes nessa condição, com jornadas médias de 27 horas semanais e rendimento na faixa dos R$ 577 mensais.
Entre 2000 e 2010, foram apresentadas na Câmara Federal cinco propostas pela redução da idade mínima para trabalhar, sem que nenhuma delas obtivesse aprovação perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Foram arquivadas definitivamente.
Porém, a recente onda conservadora e de ataques a direitos trabalhistas e humanos abre espaço para que alguns deputados invistam em propostas de redução da idade mínima ao trabalho. Para o Secretário Nacional da Juventude da CUT, Alfredo dos Santos Júnior, as propostas são uma forma de diminuir o custo da mão de obra e ressalta: se filho de deputado trabalhasse aos 14, o tema não estaria em pauta.
Há atualmente duas PECs que tentam reduzir a idade mínima para admissão no emprego. Como a Juventude da CUT se posiciona sobre esse tema?
Alfredo dos Santos – Primeiro, entendemos como inconstitucional a tramitação dessa PEC, porque é um direito fundamental, ao não-trabalho, ao estudo e é um retrocesso do ponto de vista social. Deveríamos estar discutindo a implementação do ECA e não mecanismos que dificultem o acesso do jovem ao estudo. O filho do pobre começa a trabalhar mais cedo, enquanto o filho do rico só entra no mercado de trabalho após a conclusão dos estudos.
Você vê relação entre a redução da idade para trabalhar e a redução da maioridade penal?
Alfredo – Sem dúvida. Há uma pauta de retrocessos e retirada de direitos tramitando no Congresso Nacional, que podem levar a outras discussões como a permissão de jovens atuarem em atividades periculosas e uma série de questões que criminalizarão o jovem pobre de periferia. Há uma ideia equivocada de que o trabalho é uma maneira de tirar o jovem da rua, ocupar seu tempo, mas isso é uma farsa. O jovem não trabalha para ocupar o tempo e sim por necessidade financeira.
A gente acredita que devam existir mecanismos que possam fazer com que o jovem não precise trabalhar, possa dedicar mais tempo ao estudo, por meio de acesso ao financiamento estudantil. Para que quando ingresse no mercado de trabalho, entre em condições melhores e não precarizadas. Hoje ele começa muito cedo, abandona os estudos para se dedicar mais ao trabalho e esse ciclo se repete.
O filho do pobre começa a trabalhar cedo e como começa a trabalhar cedo abandona os estudos. Como abandona os estudos é mal remunerado. Um ciclo de reprodução da pobreza que, para ser quebrado, precisamos que o jovem permaneça mais tempo nos estudos e dedicado exclusivamente a eles.
Mas até que consigamos fazer com que fique dedicado exclusivamente aos estudos, a renda dele permanece importante. Como fazer para que essa renda não seja fundamental?
Alfredo – Alguns mecanismos o governo já tem, como o Bolsa-Família e a política de valorização do salário mínimo, que são políticas de elevação de renda da família e promovem um retardo da entrada de jovens no mercado de trabalho. Outro mecanismo é o financiamento da inatividade laboral, como o financiamento estudantil, ProUni, Fies ou uma bolsa para o jovem e não para a família para que possa se dedicar exclusivamente aos estudos e não precise trabalhar.
Na medida em que melhora a renda dos pais, na medida em que garante acesso à educação, saúde, na medida em que tem a presença do Estado, o jovem será menos pressionado a trabalhar porque a família terá condições de renda e vida melhor.
A idade de 16 anos é a ideal para início das atividades profissionais?
Alfredo – Na verdade, 16 é muito baixa ainda, deveríamos discutir a ampliação e não a diminuição. Se consideramos as normas laborais das quais o Brasil é signatário, vincularemos a idade laboral ao tempo de estudo e os 16 anos foram pensados lá atrás quando o período escolar obrigatório no Brasil era de cinco a 16 anos. Hoje é de quatro a 17 anos. Em tese, deveríamos discutir a ampliação da idade laboral de 16 para 17. Defendemos que o jovem ingresse no mercado de trabalho apenas após a conclusão do ciclo escolar ou técnico e profissionalizante.
A conciliação do estudo com a jornada de trabalho extensa que temos hoje, com as condições de trabalho e transporte é muito difícil e favorece que os jovens abandonem os estudos. Hoje, no Brasil, a idade laboral é a partir dos 16 anos, mas a partir dos 14 o jovem já pode trabalhar na condição de aprendiz. O problema é que na condição de aprendiz, aquele funcionário precisará estudar. O que esses parlamentares estão querendo é empregar pessoas de 14 anos e não ter como contrapartida que o jovem esteja estudando.
Um Congresso velho, masculino e financiado por empresas dificulta que pautas de públicos fora desse perfil avancem?
Alfredo – No debate da CCJ, um parlamentar desafiou qualquer um dos deputados da Câmara que colocassem os filhos para trabalhar aos 14 anos. Se começarem a olhar para o jovem brasileiro como olham para os filhos, com certeza teríamos a legislação defendendo ampliação de direitos e não redução. Tenho certeza que nenhum filho de classe média e alta começa a trabalhar com 14, 16 anos. Ao contrário, a maioria só inicia após a conclusão da universidade.
O que a gente precisa, não necessariamente é jovem produzindo política para jovem, negro produzindo política para negro, mas de parlamentares verdadeiramente comprometidos com a humanidade e busquem o respeito ao direito individual e coletivo. A juventude precisa de mais presença do Estado nas periferias.
A discussão sobre a legalização do trabalho infantil esconde o desejo de reduzir o custo da mão de obra no Brasil e representa o pagamento, pelos parlamentares, das dívidas de campanha financiadas pelos empresários. Numa manobra que acaba por pressionar todo o mercado de trabalho a reduzir o custo da mão de obra como um todo. Obviamente, o jovem que trabalha oito horas, estuda à noite e fica mais duas horas no ônibus para se locomover terá muito menos acesso à cultura e lazer. Não só a formação acadêmica e escolar fica comprometida, mas também cultural e familiar.
Desconheço qualquer entidade jurídica, seja o Ministério Público do Trabalho, Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça) ou OAB (Ordema dos Advogados do Brasil), favorável á proposta. Acredito que esse não é um momento em que a classe trabalhadora possa reivindicar direitos a partir de lobby no Congresso Nacional. Esse é um momento de luta de classes em que devemos disputar os rumos do Estado brasileiro a partir das ruas, da mobilização, de greves, passeatas e manifestações. É a única forma de impedir que esses parlamentares avancem nessa pauta de retirada de direitos que avança no Congresso.