Num período de 32 anos, 880 mil pessoas foram mortas no Brasil, vítimas de armas de fogo – é mais que toda a população do Acre, onde vivem 803 mil habitantes. O país possui o maior número absoluto de homicídios, a polícia mais letal do mundo e caminha para ter também a maior população carcerária do planeta. Numa nação formada sob o signo do açoite, a violência ganha status de genocídio – jovens negros têm 2,5 vezes mais chances de serem assassinados que os brancos.
De acordo com dados do Mapa da Violência 2015, 116 pessoas são assassinadas por dia com arma de fogo no país. Em 2012, foram contabilizadas 4,8 mortes por hora. Os números, que se aproximam dos de países em conflito, apontam para uma espécie de epidemia, que tem raízes profundas na história do Brasil, que já começa com o extermínio da população indígena e repressão dos negros escravizados.
Durante muito tempo, a violência e a criminalidade foram associadas a questões como a desigualdade de renda da população e os níveis de pobreza. Nos últimos anos, contudo, os números têm mostrado que a questão é mais complexa. Estão relacionados aos problemas de segurança pública também a ineficiência do Estado, a impunidade, o fácil acesso às armas de fogo, o crescimento desordenado das cidades, o tráfico de drogas, aspectos culturais e simbólicos, a exemplo do machismo e do racismo.
Segundo dados do Mapa da Violência, em 2012 as armas de fogo vitimaram 10.632 brancos e 28.946 negros. Isso representa 11,8 óbitos para cada 100 mil brancos, e 28,5 para cada 100 mil negros. Ou seja, morreram 142% mais negros que brancos. E mais preocupante é o fato de que esta trágica seletividade da violência segue uma tendência crescente ao longo dos últimos anos. A vitimização negra do país, que em 2003 era de 72,5%, em poucos anos simplesmente duplicou.
Além de serem os mais vitimados por criminosos, os negros são também o principal alvo de uma polícia formada para a repressão. De acordo com relatório da Anistia Internacional, a força policial brasileira é a que mais mata no mundo. Em 2014, 15,6% dos homicídios tinham um policial no gatilho.
Segundo o relatório, a polícia atira em pessoas que já se renderam, que já estão feridas e sem uma advertência para que o suspeito se entregue – o que pode ser resumido como extermínio.
Nesse cenário, dados da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) informam que o índice de negros mortos em decorrência de ações policiais a cada 100 mil habitantes em São Paulo é quase três vezes o registrado para a população branca. A taxa de prisões em flagrante de negros também é duas vezes e meia a verificada para os brancos.
Pesquisa Datafolha realizada no início deste ano revela ainda que, entre grupos sociais que declaram ter medo da polícia, a maioria é de jovens, pobres e autodeclarados pretos. Considera-se que os negros, além de sofrerem maior repressão policial, também possuem maiores dificuldades no acesso à justiça e no direito à defesa.
É o que revela o Mapa do Encarceramento, estudo divulgado pela Secretaria Nacional da Juventude (SNJ). Conforme os dados coletados, em 2012 foram presos 1,5 vez mais negros do que brancos. Para cada grupo de 100 mil habitantes brancos havia 191 brancos encarcerados. No caso dos negros, eram 292 detidos por 100 mil habitantes negros.
O Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo, segundo dados do Ministério da Justiça referentes ao primeiro semestre de 2014. Em números absolutos, o país alcançou a marca de 607.700 presos, atrás apenas da Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (2,2 milhões). Há superlotação em todas as unidades da federação. Em Pernambuco essa taxa chega a 184%.
Diante desse enorme contingente de presos e da ampliação da criminalidade no país, é fácil constatar que alguma coisa está fora da ordem. Num contexto como este, a sensação de insegurança e a descrença na capacidade do Estado de resolver as questões relativas à segurança pública terminam por alimentar mais violência. Dão origem a fenômenos como os linchamentos, fazem surgir justiceiros, ampliam a intolerância e aprofundam a exclusão.
Alteram até mesmo a paisagem da cidade, dividida por cercas elétricas e muros altos, que escancaram o fosso entre os que podem viver em redomas e todos os outros.